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nº 66, noviembre 2025
Premio librevista de ensayo 2025
“Desde América se habla”
x Walisson Oliveira[1]
Edición bilingue –ver aquí traducción al español regional

O título que abre este ensaio ecoa o quinto verso do poemaA flor e a náusea[2] de Carlos Drummond de Andrade, publicado em A rosa do povo (1945). Escrita sob os escombros da Era Vargas e em meio à brutalidade da Segunda Guerra Mundial, essa obra marca o engajamento mais visceral de um sujeito poético com os dilemas sociais, políticos e existenciais de seu tempo. Um tempo que não é apenas histórico, mas também íntimo — sentido no corpo e na linguagem — em que a poesia se vê convocada a responder ao mal-estar da civilização.

ilustração da Raposa cinzenta
Em A flor e a náusea, vibra a tensão entre ruína e recomeço, entre a devastação da experiência humana e a persistência de uma ética ainda por se inventar. Essa ética do "por vir" pode ser transposta para nosso agora: um presente que pulsa entre destroços e reinvenções. O verso –Posso, sem armas, revoltar-me?– ergue-se como liturgia cotidiana de um sujeito em crise, que reconhece a barbárie como repetição histórica e, ainda assim, resiste à mordaça imposta pelo “eu” e pelo “mundo”. A interrogação, delicada e insurgente, carrega tanto o cansaço da luta quanto a urgência de uma resposta que recuse a resignação.
Ao deslocarmos a pergunta para a afirmação —Posso, sem armas, revoltar-me!”—, não negamos o abismo sugerido pelas palavras do poeta mineiro. Pelo contrário: o atravessamos com mais palavras. Da América Latina, falamos —e como temos falado. Trata-se de reafirmar a linguagem como gesto ético e político. Assim como o sujeito poético, desarmado mas ainda pulsante, também nós —diante dos impasses do presente— nos perguntamos: que formas de insurreição ainda nos restam? Que coragem resiste na palavra quando tudo ao redor parece ruir sob o peso da descrença, da exaustão e do ordinário?
Porque o mundo, atualmente, range. E esse ranger não vem apenas dos tanques que cortam cidades ou das explosões que desfiguram o azul dos céus. Vem, sobretudo, do colapso simbólico, do esvaziamento da linguagem, da falência dos sentidos. Vivemos em guerra –mesmo sem bombas sobre nossas cabeças. Há um luto sem nome, como o túmulo de vagalumes nos destroços deixados pela Rosa de Hiroshima[3] (obra de Ney Matogrosso).
Há guerra nos olhos de quem assiste, nos gestos de quem silencia, nos dedos que, com um toque leve sobre a tela translúcida, compartilham o horror. A morte tornou-se rotina transmitida ao vivo —e a leio refletida, sibilante, na palma das mãos. Mas o que significa, afinal, existir com a morte na palma das mãos?
Este ensaio propõe uma leitura do tempo presente partindo da ideia de que as guerras de hoje não se reduzem a conflitos geopolíticos. Elas operam também como dispositivos complexos de produção de subjetividades, de exclusões sistemáticas e, sobretudo, como engenharias da ruína —de corpos, afetos, linguagens e futuros.
A guerra como linguagem: da bala ao algoritmo
As frentes de batalha mudaram de lugar: atualmente, elas atravessam as telas, os dados, os corpos racializados, os fluxos migratórios, os algoritmos que organizam a percepção. Entre o Oriente Médio em chamas, a invasão da Ucrânia pela Rússia (2022–presente), o colapso em Gaza, as tensões no Sudão e as sombras do neonacionalismo que se arrastam pelas democracias frágeis, há um traço comum e persistente: a fabricação da indiferença.
A guerra nunca foi apenas um evento bélico. Ela é, também, uma linguagem —um discurso que reconfigura não apenas territórios, mas também afetos, imaginários e narrativas. Walter Benjamin (1892-1940) já intuía que todo “documento de cultura” é, simultaneamente, um “documento de barbárie”. Hoje, essa barbárie se manifesta de modo ainda mais insidioso: convertida em postagens virais, memes reciclados, reportagens editadas em tempo real para caber na duração de um scroll. A dor se estetiza. A morte se transforma em clipe. E o algoritmo —com sua lógica silenciosa e aparentemente neutra— decide o que será visível e, por extensão, quem será lembrado.
A velocidade com que as imagens circulam parece inversamente proporcional à nossa capacidade de sentir. De tanto ver, já não vemos o que deveríamos ver. O bombardeio do olhar produz uma espécie de anestesia sensível: um torpor que transforma a tragédia em espetáculo. As lágrimas, quando vêm, são quase estéticas. Choramos mais pela beleza da ruína do que pela vida perdida.
Nesse cenário, o sofrimento se esvazia de sentido, tornando-se apenas mais um dado consumível entre tantos. O algoritmo —atravessado por lógicas mercantis e ideológicas— não apenas mede a relevância do sofrimento alheio, como também hierarquiza vidas. A guerra, afinal, já não precisa de balas para matar. Basta invisibilizar.
O corpo em estado de exceção
Para o filósofo italiano Giorgio Agamben (1942-), “o campo é o paradigma oculto do espaço político moderno”. Gaza, hoje, é esse campo absoluto —uma zona na qual o estado de exceção deixou de ser medida emergencial e se tornou forma permanente de governo. Mas Gaza não está só. E nunca estará.
Também o são as fronteiras invisíveis das grandes cidades globalizadas, onde drones vigiam do alto e corpos racializados tombam antes mesmo de serem reconhecidos como vidas. A guerra não está “lá fora”: ela habita os corredores do metrô, os arquivos digitais da imigração, o código postal de uma favela onde a presença do Estado se manifesta mais pela violência do que pela proteção. É uma guerra fragmentada, desdobrada em micro-violências diárias, em políticas de segurança, em sistemas de vigilância e em algoritmos de exclusão. Uma guerra que opera na ambivalência entre norma e exceção, entre o que é permitido e o que é tolerado.
As populações negras, indígenas, migrantes, LGBTQIA+, vivem, cotidianamente, sob a pressão de um conflito que raramente é nomeado como tal. Trata-se de uma guerra de esgotamento —ou, como já disse Achille Mbembe (1957-), de uma política de morte: um regime no qual o poder se exerce através da capacidade de decidir quem pode viver e quem deve morrer.
Num mundo que escolhe quem merece atenção, luto ou justiça, há vidas que sequer chegam a ser vidas reconhecíveis. Há corpos cuja morte não causa escândalo, mas apenas mais um número em um gráfico estatístico. Quando o abandono se torna política, o silêncio vira arma. E, mesmo sem trincheiras, continuamos em guerra.
Cartografias, ou construtores da ruína
Existe uma geopolítica da dor: enquanto algumas mortes geram comoção global e rituais televisivos de luto, outras se tornam ruído de fundo —descartáveis, silenciadas. As imagens dos corpos empilhados nos campos de refugiados, as crianças palestinas mutiladas sob os escombros de Gaza, as cidades ucranianas carbonizadas, as vítimas esquecidas da guerra no Iêmen —tudo isso compõe um mapa do que o mundo insiste em não ver. Um mapa que sangra, mas não vaza.
Nessa cartografia da ruína, traçada por algoritmos, câmeras e drones, certos corpos são vistos demais —expostos à espetacularização da miséria— enquanto outros sequer são contados. O valor de uma vida, parece, varia conforme o território em que nasce, a cor da pele, o idioma da dor. A indiferença se naturaliza e, sob sua lógica, a violência se automatiza: o horror vira hábito, a catástrofe vira notificação.
E, ainda assim, há resistência. Ela pulsa nos cantos de mulheres em fuga, nas mães que enterram filhos e depois carregam a rua com os nomes que o mundo quer esquecer. Está nos grafites feitos de sangue e poeira, nas transmissões instáveis que furam bloqueios e revelam —com voz trêmula e sinal oscilante— a crueza do que se vive sob cerco. É ali, no fragmento, que emerge uma outra cartografia: uma geografia da insubmissão.
Cada gesto, cada som, cada palavra arriscada é uma tentativa de reescrever o impossível. De fissurar a superfície da barbárie. São pequenos levantes contra a lógica do descarte, onde o verbo ainda pode significar. Onde o silêncio, se necessário, é o intervalo antes do grito.
O silêncio como resposta ética
Diante da catástrofe, o risco é a verborragia. O excesso de palavras pode se tornar ruído, um eco sem corpo, uma tentativa de nomear o inominável que, ao fim, falha. Falar da guerra —seja ela visível ou invisível— é confrontar o limite da linguagem. Há dores que não se deixam capturar. Há perdas que não cabem em frase alguma. Há horrores que desfiguram até mesmo o sentido de dizer.
Talvez, por isso, seja necessário reaprender o silêncio —não o silêncio da omissão, mas aquele que escuta. Um silêncio ativo, atento, radical. Um silêncio que reconhece a sua própria impotência, mas não recua diante dela. Um silêncio que se curva diante do sofrimento alheio, não por covardia, mas por respeito. Escutar a ruína. Escutar a ausência. Escutar o intervalo entre uma explosão e outra. Escutar o que ainda pulsa no subterrâneo da linguagem.
Este ensaio não oferece soluções. Não há respostas seguras quando o mundo está em ruínas. O que há é a tentativa —falha, imperfeita, honesta— de nomear a vertigem. A vertigem de viver em meio ao colapso e, ainda assim, buscar sentido. A dignidade não está em oferecer respostas rápidas, mas em insistir na escuta, mesmo quando tudo parece gritar por distração.
Porque mesmo quando tudo se parte em ruídos, ainda podemos tentar desenhar um mapa com palavras. Um mapa precário, sim. Mas um mapa que, talvez, indique o caminho até o outro. Até a possibilidade de sentir. Até o direito de existir sem armas —e ainda assim, revoltar-se.
Considerações finais
Porque guerra não é apenas quando explodem mísseis. É também quando a empatia se torna exceção, quando a verdade é moldada nos bastidores do poder, quando a dor de alguns já não comove. Guerra é também silêncio imposto, ausência de escuta, indiferença programada. E essa guerra —subterrânea, simbólica, cotidiana— nos atravessa mesmo quando acreditamos estar a salvo.
O presente exige mais do que análises estratégicas. Exige mais do que números, gráficos e tratados. Exige um pensamento que não se furte ao abismo: um pensamento poético, ético e insurgente, capaz de tensionar a barbárie com perguntas incômodas. Que insista em perguntar —mesmo quando nenhuma resposta seja possível. Porque enquanto houver alguém escrevendo sobre a dor dos outros como se fosse sua, ainda haverá uma brecha no horror. Uma fresta pela qual a dignidade escapa. Uma palavra que resiste ao esvaziamento. Uma flor teimando em nascer no chão da náusea.║
Palavras-chave (Palabras clave):
Walisson Oliveira
Premio 2025
Concurso 2025
Revoltar-me sem armas
Rebelarme sin armas
[1] Sou Walisson Oliveira, um sujeito comum, que se perde nas palavras e se encontra nelas também. Nasci em Montes Claros (MG) - Brasil, mas sinto que minha casa se estende para onde o silêncio habita. Nessa busca constante, encontrei meu lugar nas letras, na literatura e nos livros. Sou Mestre em Letras: Estudos Literários pela Unimontes (Universidade Estadual de Montes Claros) e doutorando na mesma área pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Publiquei quatro livros de poesia: Ingenuidade malandra (2022), As coisas simples do cotidiano (2023), Cadernos de versos (2023) e O que as vozes sussurraram na última terça-feira (2024). Não sou apenas um nome ou uma profissão, mas um fragmento daquilo que escrevo, do que sinto, do meu povo, do meu sangue latino-americano, daquilo que me torna inteiro a cada palavra que nasce no papel.
[3] https://www.youtube.com/watch?v=sR1gC4GsFGM (novembro, 2025)
Sigue traducción de librevista al español regional
x Walisson Oliveira[4]

El título que abre este ensayo evoca el quinto verso del poema de Carlos Drummond de Andrade A flor e a náusea[5] (La flor y la náusea), publicado en A rosa do povo (La rosa del pueblo) (1945). Escrita entre los escombros de la Era Vargas y la brutalidad de la Segunda Guerra Mundial, esta obra marca el compromiso más visceral de un sujeto poético con los dilemas sociales, políticos y existenciales de su tiempo. Un tiempo no solo histórico, sino también íntimo —sentido en el cuerpo y en el lenguaje— en el que la poesía se ve llamada a responder al malestar de la civilización.

Ilustración del Zorro gris
En A flor e a náusea vibra la tensión entre la ruina y el recomienzo, entre la devastación de la experiencia humana y la persistencia de una ética aún por inventar. Esta ética del "porvenir" puede trasladarse a nuestro presente: un presente que late entre los destrozos y la reinvención. El verso —¿Puedo, sin armas, rebelarme?— surge como la liturgia cotidiana de un sujeto en crisis, que reconoce la barbarie como una repetición histórica y, sin embargo, se resiste a la mordaza impuesta por el “yo” y el “mundo”. La pregunta, delicada e insurgente, conlleva tanto el cansancio de la lucha como la urgencia de una respuesta que rechace la resignación.
Al convertir la pregunta en afirmación —Puedo, sin armas, rebelarme—, no negamos el abismo que sugieren las palabras del poeta de Minas Gerais. Al contrario: lo atravesamos con más palabras. Desde Latinoamérica hablamos —tal como hemos hablado. Se trata de reafirmar el lenguaje como gesto ético y político. Como el sujeto poético, desarmado pero aún palpitante, también nosotros —frente a los impasses del presente— nos preguntamos: ¿qué formas de insurrección nos quedan? ¿Qué coraje perdura en las palabras cuando todo a nuestro alrededor parece derrumbarse bajo el peso de la incredulidad, el agotamiento y lo ordinario?
Porque el mundo, hoy cruje. Y este crujido no proviene solo de los tanques que arrasan las ciudades ni de las explosiones que desfiguran el azul de los cielos. Proviene, sobre todo, del colapso simbólico, del vaciamiento del lenguaje, del colapso de los sentidos. Vivimos en guerra, incluso sin bombas sobre nuestras cabezas. Hay un duelo sin nombre, como la tumba de luciérnagas en los restos de la Rosa de Hiroshima[6] (obra de Ney Matogrosso).
Hay guerra en los ojos de quienes observan, en los gestos de quienes callan, en los dedos que, con un ligero roce en la pantalla translúcida, comparten el horror. La muerte se ha convertido en una rutina transmitida en vivo, y la leo reflejada, silbante, en las palmas de mis manos. Pero, ¿qué significa, después de todo, existir con la muerte en las palmas de mis manos?
Este ensayo propone una lectura del presente basada en la idea de que las guerras actuales no se reducen a conflictos geopolíticos. Funcionan también como dispositivos complejos de producción de subjetividades, de exclusiones sistemáticas y, sobre todo, como ingenierías de la ruina: de cuerpos, de afectos, de lenguajes y de futuros.
La guerra como lenguaje: de la bala al algoritmo
Los frentes de batalla han cambiado: hoy abarcan pantallas, datos, cuerpos racializados, flujos migratorios y los algoritmos que organizan la percepción. Entre Oriente Medio en llamas, la invasión rusa de Ucrania (2022-presente), el colapso de Gaza, las tensiones en Sudán y las sombras del neonacionalismo que se extienden por las frágiles democracias, existe un hilo conductor común y persistente: la fabricación de la indiferencia.
La guerra nunca ha sido un mero acontecimiento militar. Es también un lenguaje, un discurso que reconfigura no solo territorios, sino también afectos, imaginarios y narrativas. Walter Benjamin (1892-1940) ya intuía que todo "documento cultural" es simultáneamente un "documento de barbarie". Hoy, esta barbarie se manifiesta de forma aún más insidiosa: convertida en publicaciones virales, memes reciclados, noticias editadas en tiempo real para ajustarse a la longitud de un scroll. El dolor se estetiza. La muerte se convierte en un clip. Y el algoritmo, con su lógica silenciosa y aparentemente neutral, decide qué será visible y, por extensión, quién será recordado.
La velocidad a la que circulan las imágenes parece inversamente proporcional a nuestra capacidad de sentir. De tanto ver, ya no vemos lo que deberíamos ver. El bombardeo de nuestra mirada produce una especie de anestesia sensible: un entumecimiento que transforma la tragedia en espectáculo. Las lágrimas, cuando llegan, son casi estéticas. Lloramos más por la belleza de la ruina que por la vida perdida.
En este escenario, el sufrimiento se vacía de significado, convirtiéndose en un dato consumible más, entre muchos. El algoritmo, imbuido de lógica mercantil e ideológica, no solo mide la relevancia del sufrimiento ajeno, sino que también jerarquiza las vidas. La guerra, después de todo, ya no necesita balas para matar. Solo necesita hacerse invisible.
El cuerpo en estado de excepción
Para el filósofo italiano Giorgio Agamben (1942-), “el campo (de concentración) es el paradigma oculto del espacio político moderno”. Gaza es hoy este campo absoluto: una zona donde el estado de excepción ha dejado de ser una medida de emergencia para convertirse en una forma permanente de gobierno. Pero Gaza no está sola. Y nunca lo estará.
También lo están las fronteras invisibles de las grandes ciudades globalizadas, donde los drones observan desde arriba y los cuerpos racializados caen antes siquiera de ser reconocidos como vidas. La guerra no está “ahí afuera”: habita los pasillos del metro, los archivos digitales de inmigración, el código postal de una favela donde la presencia del Estado se manifiesta más a través de la violencia que de la protección. Es una guerra fragmentada, que se despliega en microviolencias cotidianas, en políticas de seguridad, en sistemas de vigilancia y en algoritmos de exclusión. Una guerra que opera en la ambivalencia entre la norma y la excepción, entre lo permitido y lo tolerado.
Las poblaciones negras, indígenas, migrantes, LGBTQIA+, viven a diario bajo la presión de un conflicto que rara vez se define como tal. Es una guerra de agotamiento o, como lo expresó Achille Mbembe (1957-), una política de la muerte: un régimen en el que el poder se ejerce mediante la capacidad de decidir quién puede vivir y quién debe morir.
En un mundo que elige quién merece atención, duelo o justicia, hay vidas apenas reconocibles. Hay cuerpos cuya muerte no causa escándalo, sino simplemente un número más en un gráfico estadístico. Cuando el abandono se vuelve político, el silencio se convierte en un arma. E incluso sin trincheras, continuamos en guerra.
Cartografías, o constructores de ruina
Existe una geopolítica del dolor: mientras algunas muertes generan conmoción global y rituales de duelo televisados, otras se convierten en ruido de fondo –desechables, silenciadas. Las imágenes de cuerpos apilados en campos de refugiados, niños palestinos mutilados bajo los escombros de Gaza, ciudades ucranianas carbonizadas, las víctimas olvidadas de la guerra en Yemen –todo esto compone un mapa de lo que el mundo insiste en no ver. Un mapa que sangra pero no gotea.
En esta cartografía de la ruina, trazada por algoritmos, cámaras y drones, ciertos cuerpos son vistos en exceso —expuestos a la espectacularización de la miseria— mientras que otros ni siquiera son contabilizados. El valor de una vida, al parecer, varía según el territorio donde nace, el color de su piel, el lenguaje del dolor. La indiferencia se naturaliza y, bajo su lógica, la violencia se automatiza: el horror se vuelve hábito, la catástrofe se convierte en notificación.
Y, sin embargo, hay resistencia. Late en los cantos de las mujeres que huyen, en las madres que entierran a sus hijos y luego llenan las calles con los nombres que el mundo quiere olvidar. Está en los grafitis de sangre y polvo, en las transmisiones inestables que rompen los bloqueos y revelan –con voces temblorosas y señales oscilantes– la crudeza de vivir bajo asedio. Es allí, en el fragmento, donde emerge otra cartografía: una geografía de la insubordinación.
Cada gesto, cada sonido, cada palabra arriesgada es un intento de reescribir lo imposible. De resquebrajar la superficie de la barbarie. Son pequeños levantamientos contra la lógica del descarte, donde la palabra aún puede significar algo. Donde el silencio, si es necesario, es el intervalo antes del grito.
El silencio como respuesta ética
Ante la catástrofe, el riesgo es la verborragia. Demasiadas palabras pueden convertirse en ruido, un eco sin cuerpo, un intento de nombrar lo innombrable que finalmente fracasa. Hablar de guerra —visible o invisible— es confrontar los límites del lenguaje. Hay dolores que no se dejan capturar. Hay pérdidas que no se pueden contener en ninguna frase. Hay horrores que desfiguran incluso el sentido de decir.
Quizás, por lo tanto, sea necesario reaprender el silencio: no el silencio de la omisión, sino el silencio que escucha. Un silencio activo, atento y radical. Un silencio que reconoce su propia impotencia pero no recula ante ella. Un silencio que se inclina ante el sufrimiento ajeno, no por cobardía, sino por respeto. Escuchar la ruina. Escuchar la ausencia. Escuchar el intervalo entre una explosión y la siguiente. Escuchar lo que aún late en el subterráneo del lenguaje.
Este ensayo no ofrece soluciones. No hay respuestas seguras cuando el mundo está en ruinas. Lo que tenemos es el intento —defectuoso, imperfecto, honesto— de nombrar el vértigo. El vértigo de vivir en medio del colapso y, aun así, buscar sentido. La dignidad no reside en ofrecer respuestas rápidas, sino en insistir en escuchar, incluso cuando todo parece pedir a gritos la distracción.
Porque incluso cuando todo se desmorona en ruido, aún podemos intentar dibujar un mapa con palabras. Un mapa precario, sí. Pero un mapa que, tal vez, señale el camino hacia el otro. Hacia la posibilidad de sentir. Hacia el derecho a existir sin armas –y aun así, rebelarse.
Consideraciones finales
Porque la guerra no se trata solo de misiles que explotan. Es también cuando la empatía se convierte en excepción, la verdad se forja tras las bambalinas del poder, cuando el dolor de algunos que ya no conmueve. La guerra es también silencio impuesto, ausencia de escucha, indiferencia programada. Y esta guerra
–subterránea, simbólica, cotidiana— nos atraviesa incluso cuando creemos estar a salvo.
El presente exige más que análisis estratégicos. Exige más que números, gráficos y tratados. Exige un pensamiento que no rehúya el abismo: un pensamiento poético, ético e insurgente, capaz de desafiar la barbarie con preguntas incómodas. Uno que insista en preguntar –incluso cuando no hay respuesta posible.
Porque mientras haya alguien escribiendo sobre el dolor ajeno como si fuera suyo, seguirá abierta una brecha en el horror. Una grieta por la cual la dignidad escapa al horror. Una palabra que se resiste al vaciamiento. Una flor naciendo tenazmente en la tierra de la náusea.║
[4] Soy Walisson Oliveira, un hombre común que se pierde en las palabras y también se encuentra en ellas. Nací en Montes Claros, Minas Gerais –Brasil, pero siento que mi hogar se extiende hasta donde habita el silencio. En esta búsqueda constante, encontré mi lugar en las letras, la literatura y los libros. Poseo una maestría en Letras: Estudios Literarios por Unimontes (Universidad Estadual de Montes Claros) y un candidato a doctorado en el mismo campo en la UFMG (Universidad Federal de Minas Gerais). He publicado cuatro libros de poesía: Ingenuidade malandra (2022), As coisas simples do cotidiano (2023), Cadernos de versos (2023) y O que as vozes susurraron na última terça-feira (Lo que las voces susurraron el martes pasado) (2024). No soy solo un nombre o una profesión, sino un fragmento de lo que escribo, de lo que siento, de mi gente, de mi sangre latinoamericana, de lo que me completa con cada palabra que nace en el papel.
[6] https://www.youtube.com/watch?v=sR1gC4GsFGM (noviembre, 2025)
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