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nº 63, mayo 2025

edición bilingüe en portugués y castellano

Além da distopia

Parte 1: questões teóricas pendentes na esquerdas

x Luiz Eduardo Soares[1](@soaresluiz)

para Dorinha e Serena, um dia

A referência maior da filosofia política do futuro talvez seja uma personagem ficcional feminina, de origem popular persa, árabe e indiana: Sherazade (diz Luiz Eduardo Soares) Imagem de Wikipedia.

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Nossas providências renovadoras, aquelas que incidem criativamente sobre nosso modo de pensar, têm se mostrado insuficientes e, portanto, impotentes no enfrentamento dos desafios que continuam a nos manter na defensiva. Afinal, somos parte do mundo que tentamos mudar

A história que nos contamos sobre nós mesmos e nossas circunstâncias é a da luta de classes, embora reconheçamos que o conceito tenha de ser redefinido, depois das mudanças profundas nas relações de produção, introduzidas pelo capitalismo financeiro e de plataforma. O campo das esquerdas busca a emancipação humana, categoria genérica que sintetiza liberdade e igualdade, esta última entendida não como homogeneidade, mas acesso franco e equitativo à fruição da liberdade, o que implica, por sua vez, o fim da exploração do trabalho. E assim caminha a humanidade, segundo o relato de nossa tradição progressista: se não avançamos é porque a força mutante do capital, crescentemente apartada de sua pele liberal-democrática, tem perdido os pruridos que lhe restavam e assumido cada vez mais a máscara monstruosa do neofascismo. 

No plano internacional, terra sem lei (o genocídio do povo palestino em Gaza terminou por desmoralizar os derradeiros parâmetros normativos), exposta a face abertamente belicista do imperialismo, há motivos racionais para temer outros desdobramentos devastadores, sobretudo porque o poder incontrastável do dólar vê-se ameaçado pela emergência de novos pretendentes à hegemonia global.
Nossas providências renovadoras, aquelas que incidem criativamente sobre nosso modo de pensar, têm se mostrado insuficientes e, portanto, impotentes no enfrentamento dos desafios que continuam a nos manter na defensiva. Afinal, somos parte do mundo que tentamos mudar. Enquanto parte, devemos admitir que foi ele que nos forjou, esse mesmo mundo que nos emparedou. Lutar como o fazemos, pensando e sentindo o que pensamos e sentimos, talvez seja inseparável não só da força de nossos inimigos, mas do destino declinante que temos experimentado.

Mas a intenção deste artigo não é confirmar o que já sabemos, nem contestar o óbvio para soar original. A pretensão, aqui, é sugerir a hipótese de que as netas de nossas netas talvez contem sobre nós outra história. Talvez lamentem nossa insensibilidade para o que lhes parecerá óbvio. Vamos, então, recomeçar. Por quais poros do velho pode o novo penetrar? Como reinventar a linguagem e -por assim dizer, ainda adotando o repertório que herdamos- a consciência? Tentemos mais uma vez.

 

Seguir acumulando riqueza, glória e poder ─seria este o projeto dos que estão no comando─; reduzir danos e, no limite, mudar a correlação de forças em seu benefício, seria este, “naturalmente”, o projeto explícito ou tácito dos trabalhadores explorados ─ou dos grupos subalternos─ e de seus aliados.

O que as chamadas sociedades de massas buscam (organizando a demanda política e o destino das mobilizações coletivas) continua sendo objeto de disputa interna, expressando linhas ideológicas ou valorativas divergentes e divisões de classe. Suspenso para fins analíticos o outro plano, o plano das crenças e dos valores, o corte classista ─embora crescentemente complexo─ funcionaria como preditor dos desejos e das opções prioritárias, distinguindo fundamentalmente duas direções: seguir acumulando riqueza, glória e poder ─seria este o projeto dos que estão no comando─; reduzir danos e, no limite, mudar a correlação de forças em seu benefício, seria este, “naturalmente”, o projeto explícito ou tácito dos trabalhadores explorados ─ou dos grupos subalternos─ e de seus aliados.  
Quando os dois planos estão em sintonia ─os conflitos valorativos e as expectativas utilitárias, digamos assim para facilitar─, o conflito tende a se converter em confronto político aberto, animando modelos prospectivos antagônicos. Estaríamos diante da luta de classes frontal e aberta, articulando-se em todos os níveis ─atualizando, no limite, uma estrutura fractal (aquela em que as camadas que compõem a estrutura se espelham umas nas outras). Uma situação desse tipo faz a festa dos analistas, porque assume foros de quase plena transparência ─nesse caso, a consciência deixa de ser um problema.
Todavia, a sintonia entre os dois planos (separados, aqui, em benefício da clareza expositiva) é um fenômeno raro e improvável, ao contrário do que supõem os dogmas “materialistas”, sejam liberais, sejam marxistas. A despeito das diferenças, ambas as linhagens crêem no predomínio do interesse e em sua autoevidência, subestimando o papel dos valores e das crenças, isto é, das mediações culturais, dos filtros interpretativos e dos jogos simbólicos intersubjetivos inconscientes.
Desse ponto de vista, seria injusto generalizar a crítica ao marxismo, que abriga ramificações teóricas muito mais refinadas e sensíveis a problemáticas como alienação, fetichismo da mercadoria e refrações ideológicas ─construtoras de mundos. Contudo, não parece que esses ramos mais sensíveis à complexidade da experiência humana tenham se tornado hegemônicos, no campo das esquerdas. Tanto para analisar conjunturas históricas, quanto, e talvez sobretudo, para formular estratégias.

 

O foco unilateral no eixo das classes pode provocar leituras economicistas simplificadas, por outro lado, na avaliação da esfera global abordada em perspectiva unilateralmente geopolítica, pode cumprir função reducionista análoga

Assim como, por um lado, no exame de sociedades nacionais, o foco unilateral no eixo das classes pode provocar leituras economicistas simplificadas, por outro lado, na avaliação da esfera global, o foco estreito no eixo dos conflitos entre projetos imperialistas ou entre estes e coalizões multilaterais, abordados em perspectiva unilateralmente geopolítica, pode cumprir função reducionista análoga. A perspectiva é unilateral quando o operador analítico é a “Razão de Estado” ─equivalente ao ator individual ou ao agente de classe─, ditando movimentos expansionistas ou defensivos, na esfera militar ou comercial (econômica), cada unidade nacional sendo concebida seja como portadora de vontade soberana, seja como figurante coagido por relações de dependência. O critério analítico que considero unidimensional e reducionista seria aquele que mimetizasse a “Razão” que leva cada Estado a adotar tal ou qual orientação. A análise assumiria o ponto de vista da “Razão de Estado”, a qual valeria uniformemente para todos os atores do xadrez global, sempre visando maximizar poder, em todos os níveis, e minimizar vulnerabilidades. Como se vê, o procedimento reproduziria em outra escala o cálculo utilitário, o chamado individualismo metodológico, suporte da teoria dos jogos e dos modelos econômicos liberais ─despolitização na veia.

A análise geopolítica unidimensional reifica e normaliza o cenário do estado de natureza hobbesiano, em que se batem potências militares, assentadas em força bélica, econômica e tecnológica, e na coesão interna que logram produzir. Por mais que a descrição realista esteja correta, com frequência não se percebe que a naturalização da “Razão de Estado”, assumida como perspectiva intelectualmente legítima, oblitera a percepção das contradições que atrevessam cada Estado, em suas relações com as sociedades, os grupos e as classes. E oblitera também, além da dimensão de valores e crenças, o teor irracional dessa “Razão”.

Não me parece que seja casual o declínio do internacionalismo, outrora cultuado na tradição socialista e comunista. O prestígio da geopolítica enquanto especialidade intelectual talvez expresse mais do que a inegável importância de seu objeto. Tampouco me parece mera coincidência que divisões entre as esquerdas nacionais muitas vezes acompanhem a configuração do quadro geopolítico. Por vezes, intuo que gravitamos siderados ao redor de um tipo muito peculiar de totemismo antropomórfico, uma espécie perversa de identitarismo (de resto tão criticado, alhures, e, com frequência, injustamente), uma certa modalidade de identitarismo imaginário (mas qual não o seria?), e tendemos a negar espaço para posicionamentos radicalmente críticos, refratários a identificações, embora conscientes do peso e das implicações do que transcorre na esfera planetária. A crítica radical seria a perspectiva que põe em tela de juízo a própria crença de que a análise possa e deva replicar a “Razão de Estado” para compreender os movimentos e antecipá-los, ignorando os aspectos de irracionalidade que lhes são intrínsecos.

O recalque da crítica radical merece ser descrito como um fenômeno em si mesmo e como tal parece escapar a alguns experts das relações internacionais, em especial ─não por acaso─ àqueles alheios à emergência climática progressiva e a seus desdobramentos devastadores. O que seria, efetivamente, a razão de um Estado, quando seu cálculo supostamente racional ignora contradições que engendra? Contradições do ponto de vista de sua própria sobrevivência. Como repensar lógicas geopolíticas, admitindo a vigência da “irracionalidade de Estado”?

 

Por um verdadeiro materialismo: levar em conta a vida e a morte, as condições substantivas em que indivíduos e populações vivem e morrem

Talvez esteja aí uma das causas da facilidade com que tantas vezes se transita de considerações geopolíticas para avaliações políticas das sociedades, como se a posição no xadrez global fosse indicador suficiente para esclarecer a natureza da ordem interna de dominação social. Não raro, sociedades asfixiadas por tiranias brutais são arroladas no time das luzes, do progresso e da liberdade. Esse tipo de procedimento reducionista é comum à direita e à esquerda, eternizando o código maniqueísta da guerra fria. A tal ponto opera com despudor a simplificação que não raro até mesmo o caráter do que se denomina desenvolvimento ─predatório ou sustentável; promotor ou redutor de desigualdades─ é negligenciado, assim como a institucionalidade jurídico-política e o lugar aí ocupado pelos Direitos Humanos. Seria moralismo pequeno-burguês incorporar esses elementos ou, pelo contrário, corresponderia a um verdadeiro materialismo, uma vez que levaria em conta a vida e a morte, as condições substantivas em que indivíduos e populações vivem e morrem?

 

A pulverização do discurso econômico impede que a economia se converta em objeto de disputa estratégica e condena as esquerdas ao taticismo letal, ao varejo reativo e ao oportunismo eleitoral, se não quiserem perder relevância

Retomo o fio da meada.
Para escapar aos axiomas dogmáticos e aos raciocínios mecanicistas, é preciso, desde logo, reconhecer o peso relativo e a magnitude da variação no plano das crenças, dos valores, dos regimes afetivos e das dinâmicas inter-subjetivas (mesmo ou sobretudo em tempos de redes sociais frenéticas). Por outro lado, é indispensável não subestimar a capacidade do capitalismo de plataforma financeirizado ─atuando em escala supranacional e colonizando ideologicamente sociedades nacionais─ de pulverizar o discurso econômico em miríades de “flocos magnéticos” ─essa categoria metafórica refere-se a amálgamas de signos e demandas objetivas, com energia para promover inumeráveis conexões de sentido e magnetizar multidões de voyeurs&gamers, eleitores e eleitoras, cidadãos e cidadãs.

A pulverização impede que a economia se converta em objeto de disputa estratégica e condena as esquerdas ao taticismo letal, ao varejo reativo e ao oportunismo eleitoral, se não quiserem perder relevância. Pulverizada, a economia não forma sistema, se resume a inputs e outputs de decisões dispersas, sujeitas ao voluntarismo do Bonaparte de plantão ─sempre chantageado por lobbies algorítmicos, ou seja, por oligarcas transnacionais e seus vassalos domésticos.
Por isso, é plausível que o neo-fascismo se apresente como antissistema: sistema, no vocabulário degradado do capitalismo neoliberal e pós-neoliberal, não tem mais nada a ver com estrutura de classes ou organização econômica, enquanto conjunto ordenado de relações, fundado em certos princípios e orientado para determinados fins, a serviço de privilégios de classe. No vocabulário demencial mas eficaz da nova (e vetusta) direita, “Economia” é o que eu e você fazemos para ganhar a vida, é o que os outros fazem. Sistema é a montanha de regras que travam a energia criativa dos empreendedores individuais para favorecer parasitas da burocracia estatal e seus delegados, os políticos. O indivíduo não é mais o proprietário lockeano de seu corpo, mas o empresário de si mesmo. Sistema é o que bloqueia o livre curso da meritocracia. Segundo esse dicionário lisérgico, a elite nociva nada tem a ver com classe; é apenas a escória contemplada por privilégios obtidos pela drenagem da energia social por meio de impostos. A linguagem dos direitos é a camuflagem das obstruções.

Sendo assim, seria um equívoco derivar apenas de ganhos ou perdas circunstanciais o endosso a tal ou qual protagonista político, em cada disputa eleitoral. A questão, sempre reposta, será: que sentido se atribui ao presente de perdas ou ganhos, percebidas a partir de quais filtros valorativos, segundo quais enquadramentos interpretativos e contra quais horizontes de expectativas? Num universo depojado de promessas estratégicas no terreno econômico, e posto que não se percebe e pensa o presente sem o sentimento do amanhã (do depois-de-amanhã, do futuro de filhos e netos), a lacuna será preenchida por cosmogonias teológicas, por escatologias religiosas -o que, aliás, não seria novidade na história humana, apenas assinalaria a falência do que talvez tenha sido o maior sonho da modernidade: a laicização da escatologia, isto é, da esperança.

Não deve surpreender que a ultra-direita tenha mais facilidade de se aproveitar desse emaranhado conjuntural. Ela tem sido coautora dessa realidade, seja por participar, como sócia do capitalismo ─ou melhor, como a própria realizacão mental e afetiva do capital─, da destruição da divisão social do trabalho que estimulava o convívio dos trabalhadores, que promovia a agregação político-sindical e a formação de um senso popular compartilhado, seja por liderar a difusão de discursos neo-individualistas e meritocráticos, bombardeando valores coletivos, compassivos e solidaristas. Não por acaso, o neo-fascismo conclama à guerra cultural, ataca as universidades, a pesquisa científica, os núcleos criativos da sociedade civil e a mídia independente.

Encontra eco na sociedade e promove identificação com o chefe político o apelo fascista ao confronto contra o mal, encarnado pelos opositores e por todas as manifestações da alteridade -dos migrantes à comunidade LGBTQIA+, dos comunistas às mulheres (quando desviantes do padrão patriarcal), dos artistas não cooptados à população afro-descendente. Esse apelo contribui para a instalação de uma dinâmica intersubjetiva centrípeta e opera como redutor da variação valorativa.

 

As redes sociais, regidas por algoritmos privilegiam antagonismos e a proliferação de nichos

Outro fator que age no mesmo sentido são as redes sociais, regidas por algoritmos que privilegiam antagonismos e a proliferação de nichos. A primeira impressão, quando se fala em nichos, seria de que o efeito produzido deveria ser centrífugo. Entretanto, o estímulo permanente à disseminação de ódio e antagonismos, embora afaste os internautas e os confine em segmentos, o faz para permitir que todos eles sejam alvos de mensagens políticas confluentes, emitidas em nome de lideranças e movimentos apoiados pelas bigtechs. O caso que se tornou clássico foi a vitória do Brexit: eleitores britânicos deram a vitória ao projeto de saída da União Europeia, mesmo que suas perspectivas valorativas fossem diferentes entre si e até opostas. Não receberam do centro difusor de mensagens as mesmas justificativas para apoiar o projeto. Ao contrário, elas foram adaptadas a seus respectivos perfis. Graças a esse procedimento (aplicado ao comércio na internet), foi possível mudar a lógica tradicional das competições eleitorais, que impeliam os contendores ao centro político para ampliar suas alianças e seus potenciais de apoio. O jogo perverso dos algoritmos isolou os grupos, analisou suas características e construiu linguagens adequadas a cada tipo de expectativa. A segmentação permitiu que a maioria fosse atingida sem concessões à moderação, sem ampliações ao centro. O extremismo triunfou. A dinâmica centrífuga serviu, paradoxalmente, a uma lógica centrípeta. Ruiu a velha tese -e a tática eleitoral dela derivada- em cujos termos a democracia liberal tenderia a promover, por características inerentes, estabilidade e moderação políticas. Quando o capital precisa da radicalização neofascista, prescinde até mesmo da institucionalidade de cuja gestação participou e que lhe foi útil ao longo de décadas.

 

Aquela transição ao socialismo que suscitava tantas teses e tantas polêmicas saiu de catálogo, provavelmente porque o próprio destino do trânsito (o socialismo) ultrapassou o prazo de validade. Hoje, entretanto, admite-se debater sobre transição energética

Houve um tempo em que se escrevia sobre a transição ao socialismo. Na sequência, o tema chave passou a ser a transição da ditadura à democracia. Mais recentemente, o interesse voltou-se para a deterioração democrática e a transição (regressiva) à ditadura. Aquela transição ao socialismo que suscitava tantas teses e tantas polêmicas saiu de catálogo, provavelmente porque o próprio destino do trânsito (o socialismo) ultrapassou o prazo de validade. Afinal, como pensar a ponte quando a segunda margem desapareceu do imaginário político, enquanto projeto objetivo -persiste apenas como um conjunto de valores e indicações genéricas. Estamos todas e todos ocupados em não despencar no abismo do fascismo e a evitar a derrota devastadora na próxima eleição ─estamos sempre a um passo do desastre. A tática é o horizonte de nossa inteligência política e consumiu toda a energia de nossa imaginação. Prospecções estratégicas têm se tornado matéria para diletantes ecléticos. Os profissionais estão empenhados em não cair para a série B da história ─e nesse afã já entregaram os anéis.

Hoje, entretanto, admite-se debater transição energética. Talvez porque o fio (tectônico) mais esticado a tensionar as sociedades seja o nervo exposto da “natureza”. Há um crepitar biológico, geográfico, mineral, vegetal, animal, oceânico, fluvial, um processo abrangente e profundo, materialmente acessível (mesmo que não imediata e universalmente cognoscível), que sensibiliza coletividades e indivíduos, cujas manifestações mais agudas e dramáticas são os desastres naturais, e que, antes de alcançar expressão política e até mesmo representações simbólicas, intervém violentamente no plano da sobrevivência e nas modalidades de organização do cotidiano, na estruturação familiar e demográfica, nas migrações, nos deslocamentos populacionais, na provisão de recursos elementares, nos modos de por-se ante o futuro, atravessando todas as camadas da ordem econômica.

Os aceleracionistas já fizeram suas apostas apocalípticas, convencidos de que a emergência climática fará o trabalho sujo, eliminando boa parte da humanidade. Não se trataria de evitar a catástrofe, mas de apressá-la e mantê-la confinada a determinadas regiões, bloqueando fluxos migratórios e garantindo acesso privilegiado a recursos naturais indispensáveis. Estariam superadas (ou em vias de superação) a necessidade e a possibilidade de acumulação capitalista em velhos moldes, e a aplicação dos mecanismos de exploração extensiva de força de trabalho ─no limite, a médio prazo, se tornaria dispensável até mesmo o acesso a mercados de massa. A robotização e a inteligência artificial podem gerar ciclos autóctones, autossuficientes. ║

Fim da parte 1

Ver Parte 2: https://www.librevista.com/Alem-da-distopia-Mas-alla-de-la-distopia-x-Luiz-Eduardo-Soares-Parte-2-Aberturas-para-outros-mundos-possiveis-Aperturas-para-otros-mundos-posibles.html


[1] Luiz Eduardo Soares é um pensador brasileiro, ator político, acadêmico, antropólogo, sociólogo, cientista político, escritor literário, ex-Secretário Nacional de Segurança Pública (em 2003, primeiro governo Lula), ex-Coordenador de Justiça, Segurança e Cidadania do Rio de Janeiro (1999-2000). Para saber mais sobre seus cargos, publicações e trabalhos, visite www.luizeduardosoares.com.

Palavras de referencia: 

Luiz Eduardo Soares
Distopia
Esquerda
Izquierda

Sigue la traducción (ed.) al castellano

Más allá de la distopia

Parte 1: cuestiones teóricas pendientes en las izquierdas

x Luiz Eduardo Soares[2](@soaresluiz)

para Dorinha e Serena, um dia

La mayor referencia para la filosofía política del futuro es quizás un personaje femenino ficticio de origen popular persa, árabe e indio: Scherazade (disse Luiz Eduardo Soares) Imagen de Wikipedia.

Nuestras medidas innovadoras, aquellas que influyen creativamente en nuestra manera de pensar, han demostrado ser insuficientes y, por tanto, impotentes para afrontar los desafíos que siguen manteniéndonos a la defensiva. Después de todo, somos parte del mundo que estamos tratando de cambiar

La historia que nos contamos sobre nosotros mismos y nuestras circunstancias es una de lucha de clases, aunque reconocemos que el concepto debe redefinirse tras los profundos cambios en las relaciones de producción introducidos por el capitalismo financiero y de plataforma. El campo de izquierda busca la emancipación humana, categoría genérica que sintetiza libertad e igualdad, esta última entendida no como homogeneidad, sino como acceso libre e igualitario al disfrute de la libertad, lo que implica, a su vez, el fin de la explotación laboral. Y así la humanidad avanza, según la historia de nuestra tradición progresista: si no avanzamos es porque la fuerza mutante del capital, cada vez más separada de su piel liberal-democrática, ha perdido los escrúpulos que le quedaban y ha asumido cada vez más la monstruosa máscara del neofascismo.

En el plano internacional, en un país sin ley (el genocidio del pueblo palestino en Gaza terminó por desmoralizar los últimos parámetros normativos), con el rostro abiertamente belicista del imperialismo al descubierto, hay motivos racionales para temer otros desarrollos devastadores, sobre todo porque el poder indiscutido del dólar está amenazado por el surgimiento de nuevos contendientes por la hegemonía global.
Nuestras medidas innovadoras, aquellas que influyen creativamente en nuestra manera de pensar, han demostrado ser insuficientes y, por tanto, impotentes para afrontar los desafíos que siguen manteniéndonos a la defensiva. Después de todo, somos parte del mundo que estamos tratando de cambiar. Al separarnos, debemos admitir que fue él quien nos forjó, este mismo mundo que nos amuralló. Luchar como lo hacemos, pensar y sentir lo que pensamos y sentimos, es tal vez inseparable no sólo de la fuerza de nuestros enemigos, sino del destino decadente que hemos experimentado.

Pero la intención de este artículo no es confirmar lo que ya sabemos, ni cuestionar lo obvio para parecer original. La intención aquí es sugerir la hipótesis de que las nietas de nuestras nietas puedan contar otra historia sobre nosotros. Quizás lamenten nuestra insensibilidad ante lo que para ellas parezca obvio. Así que empecemos de nuevo. ¿A través de qué poros de lo viejo puede penetrar lo nuevo? ¿Cómo podemos reinventar el lenguaje y, por así decirlo, seguir adoptando el repertorio que hemos heredado-a conciencia? Vamos a intentarlo una vez más.

 

Seguir acumulando riqueza, gloria y poder –éste sería el proyecto de quienes mandan─; reducir los daños y, en última instancia, cambiar la correlación de fuerzas en su beneficio, éste sería, “naturalmente”, el proyecto explícito o tácito de los trabajadores explotados ─o de los grupos subordinados─ y sus aliados

Lo que buscan las llamadas sociedades de masas (la organización de la demanda política y el destino de las movilizaciones colectivas) sigue siendo objeto de disputas internas, expresando líneas ideológicas o de valores divergentes y divisiones de clase. Suspendiendo el otro plano, el de las creencias y valores, a efectos analíticos, el recorte de clases ─aunque cada vez más complejo─ funcionaría como predictor de deseos y opciones prioritarias, distinguiendo fundamentalmente dos direcciones: seguir acumulando riqueza, gloria y poder –éste sería el proyecto de quienes mandan─; reducir los daños y, en última instancia, cambiar la correlación de fuerzas en su beneficio, éste sería, “naturalmente”, el proyecto explícito o tácito de los trabajadores explotados  ─o de los grupos subordinados─ y sus aliados.
Cuando ambos planos están en sintonía –los conflictos de valores y las expectativas utilitaristas, digámoslo así para simplificar– el conflicto tiende a convertirse en una confrontación política abierta, alentando modelos prospectivos antagónicos. Estaríamos ante una lucha de clases frontal y abierta, articulándose a todos los niveles y actualizando en última instancia una estructura fractal (aquella en la que las capas que la componen se reflejan entre sí). Una situación como ésta es la alegría para los analistas, porque asume el estatus de una transparencia casi completa: en este caso, la conciencia deja de ser un problema.
Sin embargo, la armonía entre ambos planos (separados aquí para mayor claridad de la exposición) es un fenómeno raro e improbable, contrariamente a lo que suponen los dogmas “materialistas”, ya sean liberales o marxistas. A pesar de las diferencias, ambos tradiciones creen en el predominio del interés y su autoevidencia, subestimando el papel de los valores y creencias, es decir, las mediaciones culturales, los filtros interpretativos y los juegos simbólicos intersubjetivos inconscientes.
Desde este punto de vista, sería injusto generalizar la crítica al marxismo, que contiene ramificaciones teóricas mucho más refinadas y sensibles a cuestiones como la alienación, el fetichismo de la mercancía y las refracciones ideológicas ─ constructoras de mundos. Sin embargo, no parece que estas ramas más sensibles a la complejidad de la experiencia humana se hayan vuelto hegemónicas en el campo de la izquierda. Tanto para analizar situaciones históricas como, quizás sobre todo, para formular estrategias.

 

El enfoque unilateral sobre el eje de clases puede provocar lecturas economicistas simplificadas, por otro lado, en la esfera global, el abordar desde una perspectiva unilateralmente geopolítica, puede cumplir una función reduccionista análoga

Así como, por una parte, en el examen de las sociedades nacionales, el enfoque unilateral sobre el eje de clases puede provocar lecturas economicistas simplificadas, por otro lado, en la evaluación de la esfera global, el enfoque estrecho sobre el eje de los conflictos entre proyectos imperialistas o entre éstos y coaliciones multilaterales, abordados desde una perspectiva unilateralmente geopolítica, puede cumplir una función reduccionista análoga. La perspectiva es unilateral cuando el operador analítico es la “Razón de Estado” –equivalente al actor individual o al agente de clase─, dictando movimientos expansionistas o defensivos, en el ámbito militar o comercial (económico), siendo concebida cada unidad nacional o bien como portadora de una voluntad soberana, o bien como un dependiente coaccionado por relaciones de dependencia. El criterio analítico que considero unidimensional y reduccionista sería aquel que imitara la “Razón” que lleva a cada Estado a adoptar tal o cual orientación. El análisis adoptaría el punto de vista de la “razón de Estado”, que sería uniformemente válida para todos los actores del juego de ajedrez global, apuntando siempre a maximizar el poder, en todos los niveles, y minimizar las vulnerabilidades. Como se puede observar, el procedimiento reproduciría en otra escala el cálculo utilitarista, el llamado individualismo metodológico, o sea el apoyo a la teoría de juegos y a los modelos económicos liberales ─una despolitización en línea.

El análisis geopolítico unidimensional reifica y normaliza el escenario del estado de naturaleza hobbesiano, en el que las potencias militares luchan basándose en la fuerza militar, económica y tecnológica, y en la cohesión interna que logran producir. Por más correcta que sea la descripción realista, a menudo no se advierte que la naturalización de la “Razón de Estado”, asumida como perspectiva intelectualmente legítima, oblitera la percepción de las contradicciones que permean cada Estado, en sus relaciones con las sociedades, los grupos y las clases. Y borra también, además de la dimensión de los valores y creencias, el contenido irracional de esta “Razón”.
No me parece que el declive del internacionalismo, antaño venerado en la tradición socialista y comunista, sea una coincidencia. El prestigio de la geopolítica como especialidad intelectual quizás exprese algo más que la innegable importancia de su objeto. Tampoco me parece una mera coincidencia que las divisiones en la izquierda nacional acompañen a menudo la configuración del marco geopolítico. A veces, siento que gravitamos en torno a un tipo muy peculiar de totemismo antropomórfico, un tipo perverso de identitarismo (que, por cierto, es tan criticado en otros lugares, y a menudo injustamente), un cierto tipo de identitarismo imaginario (pero ¿cuál no sería?), y tendemos a negar espacio a posiciones radicalmente críticas, resistentes a las identificaciones, aunque conscientes del peso y las implicaciones de lo que está sucediendo a nivel planetario. La crítica radical sería la perspectiva que pone en cuestión la creencia misma de que el análisis puede y debe replicar la “Razón de Estado” para comprender los movimientos y anticiparlos, ignorando los aspectos de irracionalidad que les son intrínsecos.
La represión de la crítica radical merece ser descrita como un fenómeno en sí mismo y como tal parece escapar a algunos expertos en relaciones internacionales, especialmente –no por casualidad– a aquellos que no son conscientes de la progresiva emergencia climática y sus devastadoras consecuencias.
¿Cuál sería realmente la razón de ser de un Estado, cuando su cálculo supuestamente racional ignora las contradicciones que engendra? Contradicciones desde el punto de vista de su propia supervivencia. ¿Cómo podemos repensar la lógica geopolítica, admitiendo la validez de la “irracionalidad del Estado”?

 

Por un verdadero materialismo, o cómo tener en cuenta la vida y la muerte, las condiciones sustantivas en las que los individuos y las poblaciones viven y mueren

Tal vez ésta sea una de las razones de la facilidad con que a menudo pasamos de consideraciones geopolíticas a evaluaciones políticas de las sociedades, como si la posición en el tablero de ajedrez global fuera un indicador suficiente para aclarar la naturaleza del orden interno de la dominación social. No es raro que en el cuadro de la ilustración, el progreso y la libertad se incluyan a sociedades asfixiadas por tiranías brutales. Este tipo de procedimiento reduccionista es común en la derecha y la izquierda, perpetuando el código maniqueo de la guerra fría. La simplificación opera hasta tal punto que a menudo afecta incluso el carácter de lo que se denomina desarrollo –depredador o sostenible, promotor o reductor de desigualdades– descuidándose la institucionalidad jurídico-política y el lugar que en ella ocupan los Derechos Humanos. ¿Sería moralismo pequeñoburgués incorporar estos elementos o, por el contrario, correspondería a un verdadero materialismo, ya que tendría en cuenta la vida y la muerte, las condiciones sustantivas en las que los individuos y las poblaciones viven y mueren?

 

La pulverización del discurso económico impide que la economía se convierta en objeto de disputa estratégica y condena a la izquierda al tacticismo letal, a la demanda economicista reactiva y al oportunismo electoral, si no quiere perder relevancia

Retomo el hilo de este enredo.
Para escapar de los axiomas dogmáticos y del razonamiento mecanicista, es necesario, desde luego, reconocer el peso relativo y la magnitud de la variación en el ámbito de las creencias, los valores, los regímenes afectivos y las dinámicas intersubjetivas (incluso o especialmente en tiempos de redes sociales frenéticas). Por otra parte, es indispensable no subestimar la capacidad del capitalismo de plataforma financiarizado –que actúa a escala supranacional y coloniza ideológicamente las sociedades nacionales─ de pulverizar el discurso económico en gran cantidad de “copos magnéticos” (esta categoría metafórica se refiere a amalgamas de signos y demandas objetivas, con energía para promover innumerables conexiones de significado y magnetizar multitudes de voyeurs&jugadores, electores y electoras, ciudadanos y ciudadanas).

La pulverización impide que la economía se convierta en objeto de disputa estratégica y condena a la izquierda al tácticismo letal, a la demanda economicista reactiva y al oportunismo electoral, si no quiere perder relevancia. Pulverizada, la economía no forma un sistema, se reduce a entradas y salidas de decisiones dispersas, sujetas al voluntarismo del Bonaparte de turno ─siempre chantajeado por los lobbies algorítmicos, es decir, por los oligarcas transnacionales y sus vasallos domésticos.
Por lo tanto, es plausible que el neofascismo se presente como antisistema: sistema, en el vocabulario degradado del capitalismo neoliberal y posneoliberal, ya no tiene nada que ver con la estructura de clases o la organización económica, como un conjunto ordenado de relaciones, fundado en ciertos principios y orientado hacia ciertos fines, al servicio de privilegios de clase.

En el vocabulario demente pero efectivo de la nueva (y vetusta) derecha, “economía” es lo que usted y yo hacemos para ganarnos la vida, es lo que hacen los demás; el sistema es la montaña de reglas que obstaculizan la energía creativa de los empresarios individuales para favorecer a los parásitos de la burocracia estatal y sus delegados, los políticos; el individuo ya no es el propietario lockeano de su cuerpo, sino el empresario de sí mismo. El sistema es lo que bloquea el libre curso de la meritocracia. Según este diccionario lisérgico, la élite dañina no tiene nada que ver con la clase; no es más que la escoria que se esconde tras los privilegios obtenidos drenando la energía social mediante los impuestos. El lenguaje de los derechos es el camuflaje de los obstáculos.
Por lo tanto, sería un error derivar el respaldo a un protagonista político particular en cada disputa electoral únicamente de ganancias o pérdidas circunstanciales. La pregunta, siempre planteada, será: ¿qué sentido se atribuye al presente de las pérdidas o de las ganancias, percibidas desde qué filtros de valor, según qué marcos interpretativos y frente a qué horizontes de expectativas? En un universo despojado de promesas estratégicas en el terreno económico, y puesto que no se puede percibir ni pensar el presente sin el sentimiento del mañana (del día después de mañana, del futuro de los hijos y de los nietos), el vacío será llenado por cosmogonías teológicas, por escatologías religiosas ─lo que, por cierto, no sería nuevo en la historia humana, sólo señalaría el fracaso de lo que fue quizás el mayor sueño de la modernidad: la laicización de la escatología, es decir, de la esperanza.

No debería sorprendernos que a la extrema derecha le resulte más fácil sacar ventaja de la situación actual. Ha sido coautor de esta realidad, ya sea participando, como socio del capitalismo ─o mejor, como realización mental y afectiva del propio capital─, en la destrucción de la división social del trabajo que animaba la convivencia de los trabajadores, que promovía la agregación político-sindical y la formación de un sentido popular compartido, ya sea liderando la difusión de discursos neoindividualistas y meritocráticos, bombardeando valores colectivos, compasivos y solidarios. No es casualidad que el neofascismo llame a la guerra cultural, ataque a las universidades, a la investigación científica, a los centros creativos de la sociedad civil y a los medios de comunicación independientes.

Encuentra eco en la sociedad y promueve identificación com el jefe político el llamado fascista a enfrentar el mal, encarnado por los opositores y todas las manifestaciones de la alteridad –desde los migrantes hasta la comunidad LGBTQIA+, desde los comunistas hasta las mujeres (cuando se desvían del estándar patriarcal), desde los artistas no cooptados hasta la población afrodescendiente. Esta apelación contribuye a la instalación de una dinámica intersubjetiva centrípeta y opera como reductor de la diversidad de valores.

 

Las redes sociales y algoritmos favorecen los antagonismos y la proliferación de nichos

Otro factor que actúa en la misma dirección son las redes sociales, gobernadas por algoritmos que favorecen los antagonismos y la proliferación de nichos. La primera impresión, al hablar de nichos, sería que el efecto producido debería ser centrífugo. Sin embargo, el estímulo permanente a la difusión del odio y de los antagonismos, si bien distancia a los internautas y los confina a segmentos, lo hace para permitir que todos ellos sean blanco de mensajes políticos confluentes, emitidos en nombre de líderes y movimientos apoyados por las bigtech. El caso que se convirtió en clásico fue la victoria del Brexit: los votantes británicos dieron la victoria al proyecto de salir de la Unión Europea, aunque sus perspectivas valorativas eran diferentes e incluso opuestas. No recibieron las mismas justificaciones del centro de difusión de mensajes para apoyar el proyecto. Al contrario, fueron adaptadas a sus respectivos perfiles. Gracias a este procedimiento (aplicado al comercio por internet), fue posible cambiar la lógica tradicional de las competencias electorales, que empujaba a los contendientes al centro político para ampliar sus alianzas y su potencial apoyo. El juego perverso de algoritmos aisló a los grupos, analizó sus características y construyó lenguajes adecuados a cada tipo de expectativa. La focalización permitió alcanzar a la mayoría sin concesiones a la moderación, sin expansiones hacia el centro. El extremismo ha triunfado. La dinámica centrífuga servía, paradójicamente, a una lógica centrípeta. Colapsó a vieja tesis ─y las tácticas electorales derivadas de ella─ según la cual la democracia liberal tendería a promover, debido a sus características inherentes, la estabilidad política y la moderación. Cuando el capital necesita la radicalización neofascista, prescinde incluso de la institucionalidad en cuya gestación participó y que le fue útil durante décadas.

 

Aquella transición al socialismo que dio origen a tantas tesis y a tantas polémicas ha quedado obsoleta, probablemente porque el destino mismo de la transición (el socialismo) sobrepasó su plazo de validez. Hoy se debate sobre la transición energética

Hubo un tiempo en que se escribió sobre la transición al socialismo. Posteriormente, el tema clave pasó a ser la transición de la dictadura a la democracia. Más recientemente, el interés se ha centrado en el deterioro democrático y la transición (regresiva) a la dictadura. Aquella transición al socialismo que dio origen a tantas tesis y a tantas polémicas ha quedado obsoleta, probablemente porque el destino mismo de la transición (el socialismo) sobrepasó su plazo de validez. Al fin y al cabo, ¿cómo podemos pensar en un puente cuando la segunda orilla ha desaparecido del imaginario político, como proyecto objetivo, persistiendo sólo como conjunto de valores e indicaciones genéricas? Todos y todas estamos ocupados intentando no caer en el abismo del fascismo y evitar una derrota devastadora en las próximas elecciones –siempre estamos a un paso del desastre. La táctica es el horizonte de nuestra inteligencia política y ha consumido toda la energía de nuestra imaginación. La prospección estratégica se ha convertido en un tema para diletantes eclécticos. Los profesionales se han comprometido a no caer en la serie B de la historia –y con ese afán ya han entregado los anillos.

Hoy, sin embargo, se debate sobre la transición energética. Quizás porque el hilo (tectónico) más estirado que tensa a las sociedades sea el nervio expuesto de la “naturaleza”. Hay un crepitar biológico, geográfico, mineral, vegetal, animal, oceánico, fluvial, un proceso global y profundo, materialmente accesible (aunque no inmediata y universalmente cognoscible), que sensibiliza a las colectividades e individuos, cuyas manifestaciones más agudas y dramáticas son los desastres naturales, y que, antes de llegar a la expresión política e incluso a las representaciones simbólicas, interviene violentamente en el plano de supervivencia y en las modalidades de organización de la vida cotidiana, en la estructuración familiar y demográfica, en las migraciones, en los desplazamientos poblacionales, en la provisión de recursos elementales, en las formas de afrontar el futuro, atravesando todas las capas del orden económico.

Los aceleracionistas ya han hecho sus apuestas apocalípticas, convencidos de que la emergencia climática hará el trabajo sucio, eliminando a gran parte de la humanidad. No se trataría de evitar la catástrofe, sino de acelerarla y limitarla a ciertas regiones, bloquear los flujos migratorios y garantizar un acceso privilegiado a recursos naturales indispensables. Según ellos, la necesidad y posibilidad de la acumulación capitalista en las viejas formas estaría superada (o en vías de serlo), y la aplicación de mecanismos de explotación extensiva de la fuerza de trabajo  ─en el límite, se volvería prescindible en el mediano plazo, incluso el acceso a los mercados de masas. La robotización y la inteligencia artificial podrían generar ciclos autóctonos y autosuficientes.║

Fin de la Parte 1

Ver Parte 2: https://www.librevista.com/Alem-da-distopia-Mas-alla-de-la-distopia-x-Luiz-Eduardo-Soares-Parte-2-Aberturas-para-outros-mundos-possiveis-Aperturas-para-otros-mundos-posibles.html

 


[2] Luiz Eduardo Soares es brasileño, pensador, actor político, académico, antropólogo, sociólogo, cientista político, escritor literario, ex Secretario Nacional de Seguridad Pública (en el 2003, primer gobierno de Lula), ex Coordinador de Justicia, Seguridad y Ciudadanía de Río de Janeiro (1999-2000). Para conocer sus posturas, publicaciones y obras vean la página www.luizeduardosoares.com.

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nº 63, mayo 2025