Publicación del Premio librevista de ensayo 2021
Edición bilingüe en portugués y castellano

A Espiral do Mundo:
breve comentário sobre expectativas para o século XXI

x Maria Claudia Coelho (*)

Nos anos 1950, Hannah Arendt descreveu a existência de um retrocesso simultâneo da liberdade e da autoridade no mundo moderno. Este retrocesso guardaria relação com as oscilações da opinião pública, aprisionada em um movimento pendular que ora tenderia para o conservadorismo, ora para o liberalismo. O pêndulo de Arendt, contudo, não é manso; ao contrário, oscila violentamente, entre outras razões porque seus extremos são a razão de ser um do outro, duas faces da mesma moeda.

Mas este diagnóstico não se refere ao momento de escrita do texto. Para ela, remonta ao início do século XIX, estando em movimento, naquela ocasião, já há mais de 150 anos. A passagem impressiona pela atualidade, e seu efeito sobre o leitor sugere que o pêndulo continua oscilando, liberdade, autoridade, liberdade, autoridade, agora já não mais há 150 anos, mas há mais de dois séculos.

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Dez anos mais tarde, Umberto Eco lançou uma coletânea de ensaios sobre a comunicação de massas, na qual cunhou uma oposição que funcionou, para os estudos da indústria cultural, como um divisor de águas: “apocalípticos” e “integrados”. Os termos se referem às posturas teórico-políticas diante dos mass media: de um lado, os críticos contumazes, ragnarókicos em sua visão da televisão, do rádio, do cinema como mensageiros do fim dos tempos, entendido como destruição da consciência crítica, alienação, massificação e outros fenômenos personificados pelo indivíduo destituído de autonomia, mero joguete nas mãos de ardilosos produtores de conteúdos “latentes” embutidos em produções de aparência inofensiva a serviço do lazer; de outro, os “defensores da coisa”, aqueles pensadores que entoavam loas à democratização do pensamento, à difusão dos bens culturais possibilitada pelo alcance dos novos meios de comunicação, que agora os colocavam à disposição de todos.

Em fins do século XX, com o advento das novas tecnologias (e lembremos que o hoje obsoleto Orkut foi criado em 2004, ou seja, não falamos ainda das redes sociais, mas tão somente de seus hoje pobres antecessores, como o e-mail), teóricos apontaram para a reedição do embate entre os apocalípticos e os integrados, desta feita com a mão invertida (ao menos naqueles momentos iniciais): os mais barulhentos eram agora os integrados, alardeando a natureza democrática da internet, o livre acesso à informação e, talvez o mais importante, sua descentralização, a natureza multifocal da produção de conteúdos, em franco contraste com a irradiação centrífuga típica dos já antigos mass media. Os apocalípticos eram então tímidos, com poucos e (então) frágeis argumentos, como as perdas derivadas das mediações eletrônicas nos contatos interpessoais, a solidão daí decorrente e os perigos dos interlocutores desconhecidos.

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COVID-19, cena 1: Em março de 2020, um supermercado escandinavo realizou uma promoção inusitada de frascos de álcool gel: o cliente que adquirisse um frasco por quarenta coroas poderia levar o segundo por mil coroas. O espírito por trás da promoção: conter o “consumo do pânico”, ou seja, a compra motivada pelo receio do desabastecimento, cujo efeito tangível é, justamente, o desabastecimento. Uma iniciativa cuja moral é a incitação à empatia e à solidariedade.

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COVID-19, cena 2: Em abril de 2020, um avião proveniente da China, com 600 respiradores comprados pelos estados do Nordeste brasileiro, foi retido no aeroporto de Miami. O contrato com o fornecedor foi suspenso unilateralmente e a suspeita levantada em matéria jornalística é de que a carga ficaria nos EUA, que estariam pagando preços mais altos e com isso dificultando a compra de insumos médicos por parte de outros países. Seguindo um hiperlink da matéria, somos informados de que não existe uma regulamentação internacional que previna a concorrência desleal, gerando um ambiente em que todos correriam para preservar os seus.

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Algoritmos? Bolhas? Cultura do Ódio? Destruição da esfera pública? Cambridge Analytica? À época em que o debate “apocalípticos x integrados” foi reeditado em torno das novas tecnologias, estas eram preocupações inexistentes e desdobramentos inimagináveis, com o Orkut aparecendo como uma amistosa plataforma de conexões e reencontros e a Wikipedia como uma fabulosa e democrática enciclopédia ao alcance de todos, tanto mais sedutora porque podia não apenas ser lida, mas também escrita, por todos ou qualquer um.

Ao longo dos anos 2010, o encantamento pela natureza “democrática” das novas tecnologias foi se desvanecendo. Surgiram estudos relacionando a preeminência das redes sociais – Facebook, Twitter, Instagram, Tinder, Whatsapp e outras - à emergência de quadros depressivos e sentimentos intensos de ansiedade, por vezes associados a distúrbios alimentares e práticas de automutilação entre jovens. A nova conexão estabelecida entre autoestima e popularidade nas redes – número de seguidores, “curtidas”, “comentários”, “cancelamentos” – estaria na base de sentimentos intensos de inadequação, maximizados em novos fenômenos como a “pornografia de vingança”.

O embevecimento diante do poder de conexão das novas tecnologias, em sua versão de enaltecimento da comunicação humana, começou a ceder lugar a novas preocupações, como os sofrimentos decorrentes dos excessos ou inadequações da exposição de si nas redes sociais ou os usos feitos pelas grandes corporações dos dados de navegação dos usuários das redes. Estas novas preocupações com os perigos da tecnologia para a saúde humana ganhariam expressão paroxística, de natureza metafórica, na associação entre a tecnologia 5G e a difusão do novo coronavírus.

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COVID-19, cena 3: Em abril de 2020, torres de transmissão da tecnologia 5G são incendiadas em algumas cidades inglesas em razão de um boato que atribuía à nova tecnologia o papel de difusora da epidemia de COVID-19.

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Aquela história contada por Hannah Arendt sobre o duelo de titãs entre a defesa da liberdade e a defesa da autoridade pode ser entendida como uma versão historicamente situada de um problema que outros autores entenderam como constitutivo da condição humana. Entre eles, está Georg Simmel, cuja obra se situa entre a filosofia e a sociologia.

Para Simmel, a existência humana seria clivada por duas necessidades fundamentais: o impulso do pertencimento e o impulso da diferenciação, ou o saber-se igual e o saber-se único. Derivaria daí sua natureza gregária, uma vez que a imersão em um grupo seria capaz de satisfazer as duas exigências, já que os outros excluídos me mostrariam, pelo contraste, que sou igual a meus confrades, enquanto meus confrades, contra o pano de fundo de nossa vinculação comum, atestariam minha singularidade. Aí residiria a “paixão do pertencimento”, impulso humano fundamental que as diversas configurações históricas e culturais que as sociedades humanas inventaram (suas diversas “maneiras de estar no mundo”, como diria Clifford Geertz), trataram de tentar equilibrar. Nos agrupamentos rurais, nas cidades pequenas, os vínculos estreitos, a solidariedade, e sua contrapartida, o controle; nas cidades grandes, metrópoles, megalópoles, a fragmentação, a liberdade de escolha, e sua contrapartida, a solidão, a desorientação, o encapsulamento. De um lado, solidariedade e coerção; de outro, isolamento e liberdade.

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COVID-19, cena 4: em janeiro de 2021, no interior do Rio de Janeiro uma senhora de 108 anos abre mão de seu direito prioritário à vacinação, dizendo já ter vivido muito e argumentando que sua dose seria melhor empregada em uma pessoa mais jovem, com mais vida pela frente. Na descrição de sua atitude, alegria e generosidade são a tônica, sem qualquer sinal de desencanto, irresponsabilidade ou solidão.

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COVID-19, cena 5: em março de 2021, a polícia de Belo Horizonte recebe uma denúncia de que teria havido uma vacinação clandestina nas instalações de uma empresa de transporte. Um grupo de empresários teria contratado junto a uma
enfermeira a aplicação da vacina contra COVID em 57 pessoas, a 600 reais por cabeça. Mais tarde, apurou-se que a substância inoculada não era a vacina contra COVID. Os acusados de burlar as regras do Programa Nacional de Vacinação passam, assim, de acusados a vítimas de uma fraude perpetrada pela suposta enfermeira, a qual, afinal, nem enfermeira seria, mas uma cuidadora de idosos. E agora? Ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão?

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A tensão identificada por Georg Simmel encontra em um seu contemporâneo uma outra versão: o “narcisismo das pequenas diferenças” de Sigmund Freud. Para este, a civilização é erigida sobre uma díade conceitual semelhante àquela proposta por Simmel: nela, o homem troca uma parte de sua liberdade, de sua felicidade, por um pouco de segurança. Central aí é a figura do Outro, simultaneamente aquele a cujo desejo eu me submeto (minha liberdade, minha felicidade) em troca de seu apoio (minha segurança). Este “outro” é o representante psíquico da inserção do indivíduo na sociedade, ou seja, é quando se reconhece e legitima, na psiquê, este “outro”, que o sujeito faz sua entrada na civilização.

Esta avaliação, contudo, de que o preço a pagar pela segurança é justo, tem origens em uma “marca de nascença” do ser humano (e aqui “nascença” não é força de expressão): é ao nascer que o indivíduo é arrancado da ilusão, provocada pela experiência uterina, de ser um com o todo, sendo assim lançado no mundo agarrado a seu desamparo, carregando uma nostalgia eterna daquele “sentimento oceânico” uma vez experimentado.

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Freud, Simmel, Arendt: combinando assunções sobre a natureza humana, sobre a dinâmica subjetiva do pertencimento grupal e sobre a expressão política da tensão entre o ideal da liberdade (que libera/amedronta) e o apelo pela autoridade (que coage/ampara), os três autores nos oferecem elementos para refletir sobre o modo como uma concepção da natureza humana (Freud) pode encontrar configurações históricas e sociais que oferecem sistemas específicos de pesos e contrapesos entre ser igual/ser diferente (Simmel) e embasar tensões de longa duração entre princípios conflitantes da arena política (Arendt).

E o que tem o século XXI com isso?

* * *

Talvez o atributo mais recorrente da modernidade (e, para efeitos desta reflexão, também da pós-modernidade) seja a fantasia do recomeço radical. A cada inovação tecnológica, ou a cada catástrofe (e não seriam as inovações tecnológicas as “gêmeas malditas” das catástrofes?), o mundo nunca mais será o mesmo. Foi assim com os meios de comunicação de massa, foi assim com as novas tecnologias, fenômenos da comunicação de massa em torno dos quais um mesmo debate foi editado, sempre portando as marcas do maniqueísmo que apazigua na medida em que oferece não só certezas, mas também um lado ao qual pertencer e um outro ao qual agredir.

E é assim com a pandemia de COVID-19, com sua cobertura midiática mostrando a solidariedade diante da dor do outro (profissionais de saúde abnegados, cientistas incansáveis, redes de apoio aos mais vulneráveis), mas também a indiferença (aglomerações em espaços de lazer) e até mesmo a crueldade (os desvios de verba destinados aos insumos diversos necessários aos cuidados com os doentes). “O mundo nunca mais será o mesmo”, proclamam os arautos do “novo normal”.

À fantasia do recomeço radical, contudo, se opõe o eterno retorno. Pois que a fantasia do ineditismo absoluto, de fazer tabula rasa da história da humanidade, retorna sempre com a força da repetição inconsciente de si mesma, que no esforço de se libertar termina por se reiterar. A pandemia de COVID-19, com seus vínculos históricos mais ou menos explícitos com as interconexões facultadas e incentivadas pelas novas tecnologias e, principalmente, com suas contundentes, tanto mais porque implícitas, associações simbólicas entre o contágio e o contato (entre a coerção e a autonomia, entre o ser igual e o ser diferente, entre a liberdade e a autoridade), reedita em sua fantasia do “novo normal” o movimento humano, tão humano, da fantasia do recomeço radical em toda a sua compulsão para a repetição.

Repetir, repetir, até ficar diferente – dizia Manoel de Barros.

Recordar, repetir, elaborar – dizia Sigmund Freud.

* * *

Estaríamos, assim, diante de uma dimensão trágica da experiência humana? A condenação a nos tornarmos cada vez mais iguais ao que sempre fomos nos momentos dramáticos de grandes inovações ou de grandes cataclismas, em que a impressão de que “nada mais será o mesmo” se reapresenta sob um novo e convincente disfarce, tão persuasivo que nos cega, sempre e mais uma vez, para o caráter incomensuravelmente repetitivo desta fantasia?

E, se sim, de que nos serve esta constatação? Qual o seu potencial? Resignação diante da inevitabilidade da repetição? Indignação diante desta versão do aprisionamento na própria condição? Ou – na hipótese mais realista, mas também, e talvez por isso mesmo, menos sedutora – um apaziguamento esclarecido diante da tensão entre natureza humana, forças históricas e contextos socioculturais?

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“Uma Descida no Maelström” é um conto de Edgar Allan Poe sobre um naufrágio à beira de um turbilhão. Conta a história de dois irmãos em um barco em vias de ser tragado. O narrador revela sua estratégia para se salvar: a observação do padrão de flutuação dos objetos de formas variadas. A constatação de que formas cilíndricas flutuam mais lentamente faz com que se amarre a um tonel e se lance ao mar, na esperança de que o turbilhão arrefeça antes de tragá-lo. A aposta se paga e o pescador se salva.

Norbert Elias recorre a esta história para propor duas atitudes diante das situações de crise: o deixar-se engolfar pela crise ou a observação distanciada durante a crise, observação esta que permite gerir a crise ao mesmo tempo em que se a vivencia.

 

A cada novo incidente, uma reedição. Vivemos em um mundo espiralado, cada novidade uma volta de diâmetro alargado, com a mesma forma, o mesmo padrão, o mesmo epicentro.

COVID 19, Cena 1, a promoção do supermercado escandinavo, e COVID 19, Cena 3, a idosa que cede sua dose da vacina: o pensar no outro.

COVID 19, Cena 2, o leilão de insumos médicos, e COVID 19, Cena 4, a vacinação clandestina: o pensar em si.

Freud e o outro que me atormenta e me acolhe, Simmel e o outro que me é igual e diferente, Arendt e o outro a quem me submeto e de quem me liberto.

COVID 19, Cena 5, os perigos do 5G: a utopia da conexão e a fantasia do contágio, o amparo e a morte.

E esse turbilhão que nos ameaça, do qual só podemos escapar se observarmos sua dinâmica, na iminência de sermos tragados – não é ele uma espiral? ║

 

www.librevista.com

 

Sigue traducción al castellano de librevista, revisada y corregida por la autora:

La espiral del mundo:
breve comentario sobre las expectativas para el siglo XXI

x Maria Claudia Coelho (*)

En la década de 1950, Hannah Arendt describió la existencia de un retroceso simultáneo de la libertad y la autoridad en el mundo moderno. Este retroceso estaría relacionado con las oscilaciones de la opinión pública, aprisionada en un movimiento pendular entre el conservadurismo y el liberalismo. El péndulo de Arendt, sin embargo, no es tranquilo; al contrario, oscila violentamente, entre otras razones porque sus extremos son la razón de ser uno del otro, dos caras de una misma moneda.

Pero este diagnóstico no se refiere al momento de escribir su texto. Para ella, se remonta a principios del siglo XIX, habiendo estado en movimiento desde ese momento durante más de 150 años. El pasaje impresiona por su actualidad, y su efecto sobre el lector sugiere que el péndulo sigue oscilando, libertad, autoridad, libertad, autoridad, ahora no más hace 150 años, sino hace más de dos siglos.

* * *

Diez años después, Umberto Eco lanzó una colección de ensayos sobre comunicación de masas, en la que acuñó una oposición que funcionó, para los estudios de la industria cultural, como un parte-aguas: “apocalípticos” e “integrados”. Los términos se refieren a las posturas teórico-políticas ante dos mass media: por un lado, los críticos contumaces, ragnarókicos en su visión de la televisión, de la radio, del cine como mensajeros del fin de los tiempos, entendido como destrucción de la conciencia crítica, alienación, la masificación y otros fenómenos personificados por el individuo privado de autonomía, un mero juguete en manos de astutos productores de contenidos “latentes” incrustados en producciones de apariencia inofensiva al servicio del ocio; por otro, los “defensores de la cosa”, esos pensadores que entonaban alabanzas a la democratización del pensamiento, por la difusión de los bienes culturales posibilitada por el alcance de los nuevos medios de comunicación, que ahora los ponían al alcance de todos.
 
A finales del siglo XX, con el advenimiento de las nuevas tecnologías (y recordemos que el ya obsoleto Orkut se creó en 2004, o sea, todavía no estamos hablando de redes sociales, sino solamente de sus hoy pobres antecesores, como el correo electrónico), los teóricos apuntaron a la reedición del choque entre lo apocalíptico y lo integrado, esta vez con la mano invertida (al menos en esos momentos iniciales): los más ruidosos eran ahora los integrados, alardeando sobre la naturaleza democrática de internet, el libre acceso a la información y, quizás lo más importante, su descentralización, la naturaleza multifocal de la producción de contenidos, en marcado contraste con la irradiación centrífuga típica de los ya antiguos mass media. Los apocalípticos eran entonces tímidos, con pocos y (entonces) frágiles argumentos, como las pérdidas derivadas de las mediaciones electrónicas en los contactos interpersonales, la soledad resultante y los peligros de interlocutores desconocidos.

* * *

COVID-19, escena 1: En marzo de 2020, un supermercado escandinavo realizó una promoción inusitada de frascos de alcohol en gel: un cliente que comprara un frasco por cuarenta coronas podía llevarse un segundo frasco por mil coronas. El espíritu detrás de la promoción: contener el “consumo de pánico”, es decir, la compra motivada por el temor al desabastecimiento, cuyo efecto tangible es, precisamente, el desabastecimiento. Una iniciativa cuya moral es la incitación a la empatía y la solidaridad.

* * *

COVID-19, escena 2: En abril de 2020, un avión proveniente de China, con 600 respiradores comprados por los estados del Nordeste brasileño, fue detenido en el aeropuerto de Miami. El contrato con el proveedor fue suspendido unilateralmente y la sospecha levantada en un artículo periodístico es que la carga estaría en Estados Unidos, que estarían pagando precios más altos y con eso dificultando la compra de insumos médicos por parte de otros países. Siguiendo un hipervínculo del artículo, se nos informa que no existe una regulación internacional que evite la competencia desleal, creando un ambiente en el que todos se apresurarían a preservar los suyos.

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¿Algoritmos? ¿Burbujas? ¿Cultura del odio? ¿Destrucción de la esfera pública? ¿Cambridge Analytica? En el momento en que se reeditó el debate "apocalípticos vs integrados" en torno a las nuevas tecnologías, estas eran preocupaciones inexistentes y desarrollos inimaginables, con Orkut apareciendo como una plataforma amigable para conexiones y reuniones y Wikipedia como una enciclopedia fabulosa y democrática al alcance de todos, tanto más seductora porque no sólo podía ser leída, sino también escrita, por todos o por cualquiera.

A lo largo de los años 2010, la fascinación por la naturaleza "democrática" de las nuevas tecnologías se fue desvaneciendo. Surgieron estudios que relacionan la preeminencia de las redes sociales - Facebook, Twitter, Instagram, Tinder, Whatsapp y otras - con la aparición de condiciones depresivas y sentimientos intensos de ansiedad, a veces asociados a trastornos alimentarios y prácticas de automutilación entre jóvenes. La nueva conexión que se establece entre la autoestima y la popularidad en las redes - cantidad de seguidores, “me gusta”, “comentarios”, “cancelaciones” - estaría en la base de intensos sentimientos de inadecuación, maximizados en nuevos fenómenos como la “pornografía de venganza”.

El asombro ante el poder de conectar las nuevas tecnologías, en su versión de exaltar la comunicación humana, comenzó a dar paso a nuevas inquietudes, como el sufrimiento derivado de los excesos o inadecuaciones de la exposición en las redes sociales o los usos que hacen las grandes corporaciones de los datos de navegación de los usuarios de las redes. Estas nuevas preocupaciones sobre los peligros de la tecnología para la salud humana ganarían expresión paroxística, de carácter metafórico, en la asociación entre la tecnología 5G y la propagación del nuevo coronavirus.

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COVID-19, escena 3: En abril de 2020, torres de transmisión de tecnología 5G son incendiadas en algunas ciudades inglesas como consecuencia del rumor que atribuía a la nueva tecnología el papel de difusor de la epidemia de COVID-19.

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Aquella historia que cuenta Hannah Arendt sobre el duelo de titanes entre la defensa de la libertad y la defensa de la autoridad puede entenderse como una versión históricamente situada de un problema que otros autores entendieron como constitutivo de la condición humana. Entre ellos se encuentra Georg Simmel, cuyo trabajo se sitúa entre la filosofía y la sociología.

Para Simmel, la existencia humana estaría determinada por dos necesidades fundamentales: el impulso de pertenencia y el impulso de diferenciación, esto es el saberse igual y el saberse único. De ello se derivaría su naturaleza gregaria, una vez que la inmersión en un grupo podría satisfacer ambas exigencias, ya que los otros excluídos me mostrarían, por contraste, que soy igual a mis cofrades, mientras que mis cofrades, en el contexto de nuestro vínculo común darían fe de mi singularidad. Allí residía la “pasión de pertenencia”, impulso humano fundamental que las diversas configuraciones históricas y culturales inventadas por las sociedades humanas (sus diferentes ‘maneras de estar en el mundo’, como diría Clifford Geertz) intentaron equilibrar. En agrupamientos rurales, en ciudades pequeñas, estrechos vínculos, la solidaridad y su contraparte, el control; en las grandes ciudades, metrópolis, megalópolis, la fragmentación, libertad de elección y su contraparte, soledad, la desorientación, el encapsulamiento. Por un lado, solidaridad y coacción; por otro, aislamiento y libertad.

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COVID-19, escena 4: en enero de 2021, en el interior de Río de Janeiro, una mujer de 108 años renuncia a su derecho prioritario a la vacunación, alegando que ya ha vivido mucho y argumentando que su dosis sería mejor aprovechada en una persona más joven, con más vida por delante. Al describir su actitud, la alegría y la generosidad son la tónica, sin ningún signo de desencanto, irresponsabilidad o soledad.

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COVID-19, escena 5: en marzo de 2021, la policía de Belo Horizonte recibió una denuncia de que había habido una vacunación clandestina en las instalaciones de una empresa de transporte. Un grupo de empresarios habría contratado junto a una enfermera la aplicación de la vacuna contra COVID en 57 personas, a 600 reales por cabeza. Más tarde, se encontró que la sustancia inoculada no era la vacuna contra COVID. Los acusados ​​de violar las reglas del Programa Nacional de Vacunación, así, pasan de ser acusados ​​a ser víctimas de un fraude perpetrado por la presunta enfermera, quien, al fin y al cabo, ni siquiera sería enfermera, sino cuidadora de ancianos. ¿Y ahora? ¿Un ladrón que roba a un ladrón tiene cien años de perdón?

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La tensión identificada por Georg Simmel encuentra en uno de sus contemporáneos otra versión: el “narcisismo de las pequeñas diferencias” de Sigmund Freud. Para él, la civilización es erigida sobre una díada conceptual similar a la propuesta por Simmel: en ella, el hombre cambia una parte de su libertad, de su felicidad, por un poco de seguridad. Aquí es central la figura del Otro, simultáneamente aquel a cuyo deseo me someto (mi libertad, mi felicidad) a cambio de su apoyo (mi seguridad). Este “otro” es el representante psíquico de la inserción del individuo en la sociedad, es decir, cuando este “otro” es reconocido y legitimado en la psique, es cuando el sujeto entra en la civilización.

Esta evaluación, aún, de que el precio a pagar por la seguridad es justo, tiene su origen en la "marca de nacimiento" del ser humano (y aquí "nacimiento" no es una fuerza de expresión): es al nacer que el individuo es arrancado de la ilusión, provocada por la experiencia uterina, de ser uno con el todo, siendo arrojado así al mundo aferrado a su desamparo, cargando con una eterna nostalgia por ese “sentimiento oceánico” una vez experimentado.

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Freud, Simmel, Arendt: combinando supuestos sobre la naturaleza humana, sobre la dinámica subjetiva de pertenencia grupal y sobre la expresión política de la tensión entre el ideal de libertad (que libera/asusta) y la apelación a la autoridad (que coacciona/ampara), los tres autores nos ofrecen elementos para reflexionar sobre el modo como una concepción de la naturaleza humana (Freud) puede encontrar configuraciones históricas y sociales que ofrezcan sistemas específicos de pesos y contrapesos entre el ser igual/ser diferente (Simmel) y fundar tensiones de larga duración entre principios en conflicto en la arena política (Arendt).

¿Y qué tiene el siglo XXI que ver con esto?

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Quizás el atributo más recurrente de la modernidad (y, a los efectos de esta reflexión, también de la posmodernidad) sea la fantasía del recomienzo radical. Con cada innovación tecnológica, o con cada catástrofe (¿y las innovaciones tecnológicas no serían los “malditas gemelas” de las catástrofes?), el mundo nunca volverá a ser el mismo. Así fue con los medios de comunicación, fue así con las nuevas tecnologías, fenómenos de la comunicación de masas en torno a los cuales se editó un mismo debate, siempre con las marcas del maniqueísmo que apacigua en la medida en que ofrece no solo certezas, sino también un lado al cual pertenecer y otro al cual atacar.

Y así ocurre con la pandemia COVID-19, con su cobertura mediática mostrando la solidaridad ante el dolor del otro (profesionales de la salud desinteresados, científicos incansables, redes de apoyo a los más vulnerables), pero también indiferencia (aglomeraciones en los espacios de ocio) y incluso crueldad (el desvío de fondos para los diversos insumos necesarios para cuidar a los enfermos). “El mundo nunca volverá a ser el mismo”, proclaman los heraldos de la “nueva normalidad”.

A la fantasía del recomienzo radical, sin embargo, se opone al eterno retorno. Porque la fantasía del ineditismo absoluto, de hacer tabula rasa con la historia humana, siempre retorna con la fuerza de la repetición inconsciente de sí misma, que en el esfuerzo por liberarse acaba por reiterarse. La pandemia del COVID-19, con sus vínculos históricos más o menos explícitos con las interconexiones que brindan y fomentan las nuevas tecnologías y, sobre todo, con sus contundentes, tanto más porque implícitas, asociaciones simbólicas entre contagio y contacto (entre coerción y autonomía, entre ser igual y ser diferente, entre libertad y autoridad), reedita en su fantasía de la “nueva normalidad” el movimiento humano, tan humano, de la fantasía del recomienzo radical en toda su compulsión por la repetición.
 
Repetir, repetir, hasta quedar diferente - decía Manoel de Barros.

Recordar, repetir, elaborar - decía Sigmund Freud.

* * *

¿Estaríamos, pues, ante una dimensión trágica de la experiencia humana? La condena de volvernos cada vez más iguales a lo que siempre fuimos en los momentos dramáticos de las grandes innovaciones o los grandes cataclismos, en los que la impresión de que "nada volverá a ser igual" se vuelve a presentar de un nuevo y convincente disfraz, tan persuasivo, que nos ciega, una y otra vez, del carácter inconmensurablemente repetitivo de esta fantasía?

Y si es así, ¿de qué nos sirve esta constatación? Cuál es su potencial? ¿Resignación ante la inevitabilidad de la repetición? ¿Indignación ante esta versión de encarcelamiento en la propia condición? ¿O, en la hipótesis más realista, pero también, y tal vez por eso mismo menos seductora, un apaciguamiento ilustrado frente a la tensión entre la naturaleza humana, las fuerzas históricas y los contextos socioculturales?

* * *

“Un descenso al Maelström” es un cuento de Edgar Allan Poe sobre un naufragio al borde de un remolino. Cuenta la historia de dos hermanos en un barco a punto de ser devorado. El narrador revela su estrategia para salvarse: observar el patrón de giro de las diferentes formas de objetos. Al darse cuenta de que las formas cilíndricas giran más lentamente, él se ata a un barril y se lanza al mar, con la esperanza de que el remolino disminuya antes de tragárselo. Se paga la apuesta y se salva el pescador.

Norbert Elias utiliza esta historia para proponer dos actitudes ante situaciones de crisis: dejarse envolver por la crisis o la observación con distancia durante la crisis, observación ésta que permite gestionar la crisis mientras se la vive.
 
Con cada nuevo incidente, una reedición. Vivimos en un mundo en espiral, cada novedad un bucle de diámetro ensanchado, con la misma forma, el mismo patrón, el mismo epicentro.

COVID 19, Escena 1, la promoción del supermercado escandinavo, y COVID 19, Escena 3, la anciana que renuncia a su dosis de la vacuna: pensar en el otro.

COVID 19, Escena 2, subasta de insumos médicos, y COVID 19, Escena 4, vacunación clandestina: pensar en ti mismo.

Freud y el otro que me atormenta y me acoge, Simmel y el otro igual y diferente a mí, Arendt y el otro a quien me someto y de quien me libero.

COVID 19, Escena 5, los peligros del 5G: la utopía de la conexión y la fantasía del contagio, la protección y la muerte.

Y este remolino que nos amenaza, del que solo podemos escapar si observamos su dinámica, a punto de ser tragados, ¿no es una espiral? ║


* Maria Claudia Coelho nasceu em janeiro de 1964, no Rio de Janeiro, Brasil. É doutora em Sociologia, mestre em Antropologia Social e graduada em História. É professora titular de Antropologia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, onde leciona desde 1993. Como pesquisadora, suas principais áreas de atuação são a antropologia das emoções, as teorias da dádiva, as teses sobre a modernidade e as percepções/representações da violência, temas sobre os quais publicou diversos artigos em livros e periódicos especializados, no Brasil e no exterior. É autora dos livros O Valor das Intenções (Ed. da FGV, 2006) e A Experiência da Fama (Ed. da FGV, 1999); co-autora de Antropologia das Emoções (Ed. da FGV, 2010); organizadora e tradutora de Estudos sobre Interação (EdUERJ, 2013); e tradutora de A Escrita da Cultura (EdUERJ/Papéis Selvagens Edições, 2016) e de A Escrita dos Mundos de Mulheres (Papéis Selvagens Edições, 2020). Durante um breve período em 2018 escreveu alguns pequenos textos com observações sobre o cotidiano, ainda disponíveis no blog https://alupaeosdetalhes.wordpress.com/.
Seus principais interesses atuais, fora dos muros da academia, são o estudo da língua alemã, fotografia/desenho de plantas e a prática do vôlei de praia (não necessariamente nesta ordem).

* Maria Claudia Coelho nació en enero de 1964, en Río de Janeiro, Brasil. Es doctora en sociología, maestraen antropología social y graduada en historia. Es profesora titular de Antropología en la Universidad Estatal de Río de Janeiro, donde ejerce la docencia desde 1993. Como investigadora, sus principales áreas de especialización son la antropología de las emociones, las teorías de la dádiva, las tesis sobre la modernidad y las percepciones/representaciones de la violencia, temas sobre los cuales ha publicado varios artículos en libros y revistas especializadas, en Brasil y en el exterior. Es autora de los libros O Valor das Intenções (El valor de las intenciones), FGV Ed., 2006 y A Experiência da Fama (La experiencia de la fama), FGV Ed., 1999; coautor de Antropologia das Emoções (Antropología de las emociones), FGV Ed., 2010; organizadora y traductora de Estudos sobre Interação(Estudios sobre Interacción), EdUERJ, 2013; y traductora de A Escrita da Cultura (Escribiendo sobre cultura), EdUERJ / Papéis Selvagens Edições, 2016 y A Escrita dos Mundos de Mulheres (Escribiendo sobre mundos de mujeres) Papéis Selvagens Edições, 2020. Durante un breve período en 2018, escribió algunos textos breves con observaciones sobre la vida cotidiana, todavía disponibles en el blog  https://alupaeosdetalhes.wordpress.com/
Sus principales intereses actuales, fuera de los muros de la academia, son el estudio de la lengua alemana, la fotografía/dibujo de plantas y la práctica del voleibol de playa (no necesariamente en ese orden).

 

 

 

 

 

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